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Foto do escritorBreno Cruz

É angu e não polenta!

Minha ida à minha cidade natal nas últimas semanas me trouxe um turbilhão de sentimentos relacionados à Gastronomia - sempre foi assim porque é sobre comida afetiva; é sobre o doce de leite Viçosa, o torresmo, o frango a passarinho, o hambúrguer do Quero Mais e o pastel de angu da dona Violeta (in memoriam). Viçosa (MG) me remete a esses sabores e cheiros que só sinto lá. E foi lá que aprendi a comer angu de diferentes formas - mas nenhuma delas se compara à junção do frango com quiabo do Tio Luizinho.


Para mim sempre foi angu. Quando se mistura fubá na água e leva ao fogo o resultado é angu - e nada me fez mudar isso nos últimos anos (mesmo quando não entendia o que estava por trás do apagamento do termo angu em detrimento de polenta). Um dia em Lavras (MG), quando comecei minha graduação na UFLA, falei que iria comer angu e alguém me corrigiu: “Você quer polenta, né!?”. Aceitei pensando que fosse uma questão regional já que eles insistiam em dizer que não era biscoito e sim bolacha (para mim continua sendo biscoito). Aceitava quando me falavam que era polenta.



Crédito: Nossas Raízes Bistrô (Niterói-RJ)


Existe uma diferença técnica importante que vai para além do regionalismo: angu é feito com uma farinha de milho mais fina enquanto polenta tem uma granulometria mais grossa. Dada essa diferença técnica, há a diferença cultural: polenta tem forte influência italiana e o angu surgiu na África e faz parte da culinária da diáspora no Brasil.


Como o angu foi trazido da África e utilizado pelo povo escravizado no Brasil, o seu apagamento como preparação culinária está associada possivelmente ao racismo estrutural no nosso país. O angu alimentou muitos dos nossos ancestrais porque era uma comida que ajudava a matar a fome e encher o estômago. Mas, numa gastronomia eurocêntrica, polenta tem “influência internacional” e talvez seja mais chique apresentar esse termo e não o termo angu. Mas, apenas lembrando, os países africanos também são internacionais. Logo, o angu seria tão internacional quanto a polenta…


Nas visitas que fiz a restaurantes africanos ou afro-brasileiros o angu é uma preparação frequente. No evento Mesa SP em Novembro, da Revista Prazeres da Mesa, eu e o chef João Diamante discutimos como que a gastronomia africana ou de diáspora é apagada das formações profissionais em cursos técnicos, profissionais ou bacharelados em Gastronomia no Brasil. Existem as culinárias Asiática, Mediterrânea, das Américas, Francesa e Italiana - e eu nunca vi uma matriz curricular na Gastronomia em que a Culinária Africana seja disciplina obrigatória. Já ouvi relatos de disciplinas optativas teóricas - nunca disciplinas práticas ou obrigatórias.


Neste contexto de necessidade de rupturas com uma gastronomia eurocêntrica, reivindico que é angu e não polenta; que devemos nos posicionar todas as vezes que quiserem nos vender angu como polenta. Angu é ancestralidade; é sabor que está a séculos na boca de um povo que lutou para sobreviver; e, que por isso, merece ser exaltado assim como o seu povo. Não importa se você é paulista, mineiro, fluminense, nordestino, sulista, nortista ou do Centro-Oeste - façamos coro à relevância do angu na nossa formação enquanto sociedade. É angu e não polenta.


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