Apresentação do Livro
No final de 2020 eu criei o perfil Preto Gourmet no Instagram a partir da constatação tardia da ausência de protagonismo de pessoas pretas, pardas e indígenas na gastronomia carioca. Como eu estava envolvido de forma aprofundada em outro projeto profissional que tinha uma pegada social, o Preto Gourmet inicialmente nasceu com o objetivo de evidenciar pessoas pretas na gastronomia, mas tive tempo apenas para escrever algumas avaliações de restaurantes - evidenciando de certa forma que nós pessoas pretas também poderíamos e deveríamos ser vistas como clientes e não apenas como funcionários que são invisibilizados na alta gastronomia.
Com a dor da minha saída do projeto social que atuava (foi como deixar um filho) e minha necessidade como pessoa em estar atuando em prol de alguma causa que faça sentido para mim, retornei à ideia inicial do Preto Gourmet - que seria dar voz e visibilidade às histórias de vida das pessoas pretas e pardas. E, toda vez que escrevo uma história, me preocupo em captar as informações profissionais; mas me preocupo acima de tudo em entender quem é aquela pessoa que se apresenta a mim.
Ouvi lindas histórias que me emocionaram e que me fizeram refletir sobre a importância da resiliência do povo preto. Isso me evidenciava quão importante seria eu continuar contando essas histórias. Algumas delas se conectam com minha trajetória de vida pessoal e profissional. Muitas vezes me segurei para não sucumbir ao choro e tentar fazer uma cara de que estava tudo bem - mas lá dentro a sensação era de soco no estômago.
Em uma dessas entrevistas, um chef me disse: “É muito importante o trabalho que você está fazendo para nos evidenciar. Eu há um tempo pensei num tipo de prêmio, mas eu não teria tempo de fazer e executar isso.” Eu logo emendei que estava trocando ideias com outras pessoas pretas sobre fazer essa ruptura e que eu teria condições, contatos e expertise de fazer um prêmio acontecer. Ali naquela conversa já disse: o nome é “Prêmio Gastronomia Preta!”. E ele disse: “O nome é ótimo. É isso, segue aí porque não tenho condições de fazer isso acontecer em função do meu trabalho. E o importante é que seja feito.”
Fui para casa e nos dias seguintes e finalizei o capítulo “Em busca do Pretagonismo da Gastronomia” que se encontra no quinto volume da coleção ‘Gastronomia: Ensino, Pesquisa e Extensão’. Neste texto falo das minhas dores como pessoa preta na Gastronomia, como surgiu o Preto Gourmet e crio e sistematizo inicialmente todas as categorias do Prêmio Gastronomia Preta. E, se tem uma coisa que eu faço bem é vender ideias às pessoas. Comecei a falar do prêmio e principalmente das categorias. E, em relação às categorias, quis que elas fossem amplas e não se limitassem apenas à cozinha - queria que as pessoas do salão, da gestão e do staff também fossem reconhecidas. Não é apenas sobre o chef, é sobre todos envolvidos.
À medida que eu contava as histórias das pessoas no Instagram e falava do prêmio com amigos e conhecidos, eles me impulsionaram. Recebi um acolhimento que eu não esperava. E nesse acolhimento, não posso deixar de agradecer várias pessoas neste livro. A primeira delas, que não está neste livro, mas que me ajuda diariamente no prêmio é Mariana Coutinho, aluna da Gastronomia da UFRJ e minha bolsista de iniciação científica do CNPq. Embora ela seja uma mulher branca, ela se envolveu com um trabalho que não é a causa dela quando pensado no lugar de fala. Mas, se a gente quer lutar por um país anti racista, não podemos desconsiderar pessoas aliadas à nossa causa que querem e podem ajudar.
Eu nunca farei uma militância de gueto que exclui quem pode ajudar e que nao esteja no lugar de fala sobre uma causa. Essa é minha forma de entender algumas causas sociais: eu não sendo uma pessoa trans estive a frente de um projeto de empregabilidade de pessoas trans na gastronomia e eu vivi esse projeto intensamente - assim como eu vivo hoje o Preto Gourmet e o Prêmio Gastronomia Preta. Por isso, acho que estar com todas as pessoas é importante.
Recebi diariamente no Instagram agradecimentos do povo preto sobre o perfil e sobre o Prêmio Gastronomia Preta. Um deles, em especial, me tocou. Uma estudante de Gastronomia de um curso profissional no Rio de Janeiro me disse que ao ler as histórias, ela se empoderou para aceitar o seu primeiro evento - que foi uma feijoada para 100 pessoas. Ali eu entendi que poderia ajudar outras pessoas.
Este livro não é sobre o prêmio, mas ele tomou corpo a partir do Prêmio Gastronomia Preta. Por isso, preciso apresentar inicialmente meus agradecimentos às pessoas com as quais eu troquei muitas ideias, ouvi conselhos e fui acolhido. Muito obrigado aos amigos Aline Guedes, Aline Pires, Carol Bustamante, Elisa Torres, Lipe Borges, Marco Antonio de Souza, Paulo Rocha, Renata Monty, Renato Neves, Rochelly Rangel e Rubens Gonçalo. Vocês fazem parte dessa história ao ouvirem minhas angústias, me aconselharem, abrirem portas e estarem comigo nessa ideia inicial. Me fiz mais forte com vocês como aliados!
Da mesma forma, gostaria de agradecer aos patrocinadores e parceiros que acreditaram na ideia e me ajudaram a fazê-la acontecer: obrigado Camolese, Casa Maranguape, Food-se, Grupo Arpoador, Grupo Bottega, Manouche, MUHCAB, Mundo Negro, Ocyá, Rappanui Gastronomia, Secretaria de Cultura do Rio, SindRio e Soul Negão. Em especial, Cello Camolese, por querer saber do prêmio e dessa conversa informal na Casa Camolese eu pedir o patrocínio para este livro e ele sem pestanejar aceitar. Eu dizia aos mais próximos que o prêmio estava tudo pago, mas que faltava o livro - ele está aqui.
As histórias que são apresentadas neste livro são histórias de pessoas que eu conheci ao longo da minha curta trajetória na Gastronomia como professor na área de gestão. Também tive a cara de pau (sim, esse sou eu) de pedir entrevista sem conhecer um profissional ou sem ter alguém que fizesse a ponte - afinal, como eu sempre digo, o não eu já tenho. Tentei equilibrar a quantidade de histórias a partir do gênero para evidenciar minha luta contra o machismo na gastronomia (embora eu saiba que não estou no lugar de fala): foram 14 mulheres e 16 homens. Da mesma forma, busco discutir também a diversidade por meio da identidade de gênero ao ter três pessoas trans com suas histórias contadas aqui.
Olhar para nossa ancestralidade é muito importante; e, reconhecer os que vieram antes da gente, também. Por isso, a capa do livro é uma homenagem à chef Benê Ricardo: a primeira mulher a se formar em um curso profissional em Gastronomia no Brasil. Não seria possível pensar no primeiro volume da coleção Gastronomia Preta sem evidenciar logo na capa a importância dessa profissional. Espero que agora, com essa homenagem, muitos e muitas de nós possamos reconhecer a importância da mulher preta na gastronomia brasileira.
Por fim, e não menos importante, gostaria de agradecer às 29 pessoas que disponibilizaram sua atenção e respeito ao meu trabalho e me contaram suas histórias. Esse livro não existiria sem essas histórias de vida. Vocês abriram seus corações, me contaram detalhes sofridos de histórias de resiliência e também de vitórias. Cada um(a) que está aqui com sua história tem o meu respeito, admiração e carinho. Afinal, o que eu sempre busco são boas histórias por meio de personagens que prendam a atenção dos leitores. E tenham certeza que suas histórias fizeram isso comigo. Espero conseguir apresentá-las da mesma forma que vocês me encantaram.
Boa leitura.
Axé!
Breno de Paula Andrade Cruz