Texto Publicado no Mundo Negro em 11/09/2022
Prazer! Eu sou o Preto Gourmet - um dos novos colaboradores do Mundo Negro. E como postulante a título de DFI (Digital Food Influencer) na cena gastronômica, o meu recorte é racial. Quero problematizar as pessoas pretas na Gastronomia - uma área marcada pelo eurocentrismo e pelo racismo estrutural. Neste texto de estreia, quero abordar o nosso lugar nas mídias sociais e o nosso apagamento na cena gastronômica como consumidores ou
influenciadores digitais.
A criação do Preto Gourmet se deu pela experiência em um restaurante que é indicado pelo Guia Michelin no Rio de Janeiro. Fui representar uma amiga pelo seu blog no lançamento do novo menu do restaurante. Quando sentei à mesa com formadores de opinião e imprensa, me dei conta que eu era o único preto daquela mesa - e aquilo foi um soco no estômago.
Cadê os meus? Não tem preto(a) formador(a) de opinião no Rio de Janeiro? Não tem jornalista preto(a) especilizado(a) em Gastronomia? - essas foram minhas reflexões iniciais comigo mesmo com sorrisos no rosto para ser educado no meio de gente que eu desconhecia. Entre sorrisos forçados e bem artísticos (fui bom nisso e a TV me perdeu), viralizavam questionamentos na minha mente. Embora eu já tivesse percebido que na universidade federal em que sou professor no bacharelado em Gastronomia sou o único professor efetivo preto, não tinha percebido quão visíveis eram os resquícios do racismo na mídia profissional gastronômica, nas assessorias de imprensa e agências de marketing.
Essa mesma amiga jornalista branca sempre confiou em mim e dizia: “a ideia do Preto Gourmet é ótima! Siga e não desanime!” Eu segui com a ajuda dela substituindo-a em visitas a restaurantes de cena carioca. Como ela é muito reconhecida entre empresários deste ramo e a imprensa especializada, toda vez que eu falava que estava representando o blog dela, os olhares mudavam e até sentia um tratamento diferenciado (positivamente).
Conhecendo influenciadores digitais em eventos realizados para restaurantes, bares e gastrobares, a questão racial mais uma vez apareceu: eu era o único preto do evento. Mais uma vez caiu a ficha: preto não é influenciador gastronômico. Quando vejo vídeos em parceria de influenciadores gastronômicos com restaurantes, minha percepção se concretiza: são sempre pessoas brancas. Sabe o porquê? Porque a cena gastronômica tem como cerne a distinção social por meio do status.
Como pesquisador e líder do grupo de pesquisa ‘Consumo, Gastronomia e Redes Sociais Virtuais’ - CNPq, o meu tema de interesse atualmente é a avaliação online de restaurantes nas plataformas digitais. No capítulo ‘O Termo Gourmet: sua construção histórica na Gastronomia e o uso nas avaliações online de restaurantes’ no livro ‘Gastronomia: Ensino, Pesquisa e Extensão’ discuto como esta palavra é usada como forma de distinção social entre apreciadores da gastronomia. Neste contexto da gastronomia como marcador da distinção social, nós pretos(as) não temos lugar como consumidores e influenciadores - pelo menos é assim que as agências de marketing, assessorias de imprensa e donos(as) de restaurantes nos vêem. São os brancos que são convidados para este papel.
Remetendo à famosa frase do país do futebol, “a regra é clara”: preto não é influenciador na cena gastronômica - digo isso com conhecimento de causa. Transitando por espaços da alta gastronomia carioca e tendo contato com empresários e grandes chefs da mídia, sabe quantas vezes fui convidado como influenciador para ter uma experiência num restaurante/bar/gastrobar por agência de marketing ou assessoria de imprensa? Apenas 3 vezes - sendo duas delas depois que o Prêmio Gastronomia Preta (spoiler do Mundo Negro) explodiu em todo o Brasil.
Leitor(a), é sobre isso: nossa invisibilidade na cena gastronômica como consumidores e formadores de opinião. O lugar do nosso povo é onde ele quiser, mas a cena gastronômica ainda nos invisibiliza de diferentes formas - e é esse apagamento na Gastronomia que discutirei com vocês nos próximos textos.
Axé!