Hoje eu me sinto livre para discutir uma situação de racismo que aconteceu na entrada de um gastrobar na Orla de Copacabana no começo deste ano. Embora eu tenha me reservado à época para não expor o nome do estabelecimento, agora eu quero revelar o local do gastrobar: finalzinho de Copacabana, ao lado da entrada do Hotel Fairmont.
O enredo é extenso, mas tentarei resumi-lo. Durante três anos atuei como coordenador de um projeto social (o TransGarçonne) que capacitava pessoas trans, travestis e não-bináries para o mercado de trabalho em Gastronomia no Rio de Janeiro. Idealizei a RAET - Rede de Acolhimento para Empregabilidade TransGarçonne e minha função era potencializar as contratações deste público em bares, hotéis e restaurantes. Sempre que eu tinha espaço na agenda, eu visitava as casas que empregavam esse público. Era uma forma de ter um contato com os gestores e os funcionários para ter minhas impressões sobre o acolhimento a essas pessoas. E este gastrobar havia contratado duas meninas trans.
Em uma sexta-feira à noite, andando de bicicleta pela orla de Copacabana, passei em frente ao bar e resolvi parar e conversar com Maria (nome fictício) para saber como estavam sendo as primeiras semanas dela no trabalho - queria na verdade compreender se ela estava sendo acolhida pelos seus superiores e pela equipe. Numa cidade litorânea como o Rio de Janeiro, o dresscode não exige sofisticação e é normal sair da praia e emendar um gastrobar, shopping ou restaurante. Parei minha bicicleta em um poste de luz perto da entrada do gastrobar, me dirigi ao segurança; e, solicitamente, o cumprimentei de maneira educada e com sorriso no rosto. Perguntei se naquele dia e turno a Maria estava trabalhando.
No primeiro momento de interação ele me olhou de cima a baixo (como se fosse um raio X), fechou a cara, me fuzilou com os olhos e com um sentimento de ódio que eu nunca havia sentido de alguém por apenas dar “boa noite”; me respondeu de maneira ríspida: “Por que você quer saber? Ele nem teve o cuidado de ser minimamente educado e de me retribuir um boa noite. Ele continuou a interação de maneira muito grosseira. Fui citando os nomes do maitre e da gerente da casa para ele entender que eu conhecia o espaço e que eu não seria “qualquer um”. É triste ter que usar dessa estratégia para ser tratado com educação.
Talvez na mente de uma pessoa parda que tem introjetada em sua visão de mundo o racismo, ele não imaginava que um homem preto, de short e bicicleta, teria a possibilidade de consumir num gastrobar em Copacabana com ticket médio alto. E se não é cliente e é preto, o caminho está aberto para se tratar a pessoa mal.
E você leitor(a), imagina o motivo de no primeiro parágrafo eu revelar o nome do restaurante? É porque a situação foi apresentada à gerente da casa e nem um pedido de desculpas pelo WhatsApp foi feito. Sim, eles tinham meu contato porque eu fui a ponte para contratação daquelas meninas trans. Quando retornei à casa, a pedido do maitre, para conversar sobre o desempenho de Maria (foi uma demanda do bar), comentei sobre a situação e ele disse que a gerente tinha conhecimento. Ao final da conversa, ele me levou à mesa onde estava sentada a gerente da casa e me apresentou: “Oi, fulana. Esse aqui é o Breno.” Eu juro que esperava um pedido de desculpas da casa por aquela situação já que o fato já era de conhecimento dela. Sentada estava a senhora; sentada ela continuou. Com um sorriso forçado, ela me olhou com um certo desdém e me deu boa tarde. Não teve a coragem de me agradecer pelas vezes que eu fui ao gastrobar dela, como consultor voluntário do projeto, dar dicas de como acolher uma pessoa trans no ambiente de trabalho. Era um trabalho voluntário - que eu gastava meu tempo e meu dinheiro (táxi, água, suco e refeição que consumi no bar) para estar lá porque eu acreditava na causa. Era consultor voluntário e cliente - até minha refeição e suco eles cobravam.
Com esse desdém da gerente operacional da casa, percebi porque o segurança poderia agir daquela forma racista. Entendi porque não foi enviada uma mensagem pedindo desculpas. Entendi, também, porque as meninas foram demitidas em menos de 45 dias. E, enquanto estive no TransGarçonne, não revelei o nome do estabelecimento porque foi um parceiro. Agora, eu posso usar da minha voz e evidenciar o meu boicote ao bar àquela postura racista. Claro que a gerência não tem como controlar o comportamento de todos funcionários, mas uma vez que a casa tem conhecimento da situação, o mínimo a ser feito é um pedido de desculpas (por mais que seja falso) - é o passo número 1 na gestão de crise em gerenciamento de imagem e reputação de uma marca. Talvez o bar também precise de uma consultoria em imagem e reputação - e com certeza não será comigo.
Axé!
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